O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12), que manteve a justa causa de uma ex-empregada de um supermercado que realizou viagem a passeio durante o período de afastamento por suspeita de contaminação pelo novo Coronavírus.
Essa é uma decisão importante para as empresas, que estão vivenciando situações similares nesta fase de pandemia. Por esse motivo, entendemos pertinente compartilhar a decisão abaixo para conhecimento:
Entenda o caso
A reclamante/empregada ingressou na Justiça do Trabalho com pedido de reversão da demissão por justa causa aplicada por sua ex-empregadora (supermercado), com necessidade de pagamento da diferença das verbas rescisórias.
Alega a ex-empregada que foi dispensada por ter viajado para a Serra Gaúcha (Gramado/RS) com o namorado durante o período de isolamento social ante a suspeita de COVID-19.
A ex-empregada informa, em sua petição inicial, que apresentou atestado médico de isolamento ao supermercado, ficando afastada (com recebimento de salário) de seu trabalho. Porém, que descumpriu a ordem de isolamento e realizou a referida viagem com o namorado.
Argumenta, ainda, que “apesar de concordar que errou na conduta de descumprir o isolamento, a medida foi desproporcional, merecendo sanções dos órgãos sanitários e não a aplicação da dispensa por justa causa”.
A ex-empregada relata por final que não estava contaminada pelo novo vírus, possuindo o resultado negativo do exame.
Aberto o prazo para manifestação da empresa, informamos que esta não apresentou contestação, sendo considerada “revel”, seguindo o processo com a presunção da veracidade dos fatos narrados pela trabalhadora, cabendo ao poder judiciário examinar matéria de direito.
Assim, o processo foi analisado por juiz de primeiro grau e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12).
Decisão
Acertadamente, o juiz de da 2ª Vara do Trabalho de Brusque-SC, Dr. Roberto Masami Nakajo, entendeu que o descumprimento do isolamento social, com apresentação de atestado médico na empresa, é ato de extrema gravidade e digno de dispensa por justa causa.
Como fundamento, o juiz informou que o mundo vive este momento de crise econômica e crise em saúde pública, em que toda a sociedade está lutando para a manutenção das vidas, economia e postos de trabalho, sendo a atitude da trabalhadora reprovável.
Assim, houve conclusão no sentido de manter a aplicação da justa causa, reforçando que atitudes como a da ex-empregada são de extrema gravidade e configuram ato de mau procedimento e improbidade, sendo dever da empresa pagar o período de afastamento, nos limites legais, e dever da empregada retornar ao trabalho em caso de resultado negativo.
Veja trecho da decisão:
“(…) No caso, a autora recebeu atestado médico justamente para que ficasse em isolamento por ter tido contato ou estar com suspeita de ter contraído o coronavírus. A empresa continuou a pagar seu salário no período cumprindo com sua obrigação legal (e no caso até social diante da pandemia). Em contrapartida, esperava-se que a autora adotasse o bom procedimento de manter-se em isolamento, um ato de respeito em relação à toda sociedade considerando a notória gravidade da pandemia (…)
Ocorre que, neste caso, a autora, mesmo estando de atestado médico (recebendo seu salário e sem trabalhar) entendeu por bem realizar viagem com seu namorado para cidade turística de Gramado no Estado do Rio Grande de Sul. Com tal atitude poderia ter colocado em risco inúmeras pessoas.
Atitudes como esta visando exclusivamente interesse pessoal, contrária às orientações das autoridades sanitárias, que demonstram flagrante desrespeito com relação ao próximo (coloca em risco inúmeras pessoas), e podem levar à uma elevação do nível de infecção ou a uma tão propalada segunda onda de contaminação pelo COVID-19.
E se chegarmos a um novo aumento ou a uma segunda onda por atitudes análogas à da autora? Obviamente, que teremos novas restrições de funcionamento das atividades econômicas o que poderia comprometer ainda mais a saúde financeira das empresas, incluindo da ex-empregadora da própria reclamante.
No entender do juízo trata-se de atitude gravíssima classificada na doutrina e na lei como mau procedimento autorizador do rompimento da relação de emprego por justa causa (…)
E tenho por caracterizado ato de improbidade e de mau procedimento pela parte trabalhadora (…)”
Destaca-se, ainda, que a ex-empregada foi condenada por litigância de má-fé (10% do valor da causa) na medida que buscou a Justiça do Trabalho, ilegitimamente, com a finalidade de conseguir direito que não possui, revelando a deslealdade de sua conduta.
No mesmo sentido decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12), pela manutenção da justa causa e litigância de má-fé. Veja trecho:
“(…) A partir desse panorama geral, conclui-se, portanto, que a prevenção, o controle e a mitigação da transmissão do coronavírus SARS-CoV-2 se impõem não apenas como dever ético e humanitário, exigido de qualquer cidadão inserido na comunidade, como também permeia diversas relações jurídicas irradiadas pelas máximas da boa-fé, da lealdade e da solidariedade, não sendo diferente nas relações de trabalho. Assim, tanto o empregador quanto o empregado não só respondem pelas infrações das regras sanitárias e epidemiológicas perante os órgãos públicos competentes, como também entre si, surgindo, como já dito, um feixe de obrigações e direitos decorrentes dos deveres anexos de cuidado, cooperação, respeito, informação, honestidade, razoabilidade, dentre outros.
Desse modo, não assiste razão à autora quando argumenta que o simples fato de descumprir a quarentena (e não o isolamento, posto que se encontrava no estágio de investigação clínica) não seria o bastante para que o liame de confiança com a empregadora fosse debilitado a ponto de autorizar a ruptura abrupta do contrato de trabalho, dado que a interrupção deste mantém a exigência de cumprimento das obrigações principais e acessórias, dentre elas, o efetivo implemento da única razão para existência da medida restritiva, que é a permanência em sua residência como meio de evitar a propagação do vírus. (…)
Portanto, a premissa fundamental para se autorizar o afastamento remunerado, que era a separação da autora de outras pessoas não infectadas, não foi observada, restando comprovado o uso inapropriado do afastamento, deixando a autora de cumprir com a única condição para que fossem as faltas consideradas justificadas, tal como prevê o art. 3º, § 3º, da Lei nº 13.979/2020.
Assim, restou configurada a infração trabalhista, não podendo admitir que as faltas sejam consideradas justificadas sem o implemento da condição que lhe justifica: o isolamento domiciliar (…)
Do histórico feito acerca do plexo de obrigações relacionadas à manutenção do ambiente laboral seguro e sadio, e do panorama de proteção social e de esforços dirigidos ao enfrentamento da pandemia da COVID-19, é inegável que a gravidade da conduta da autora é suficiente para romper com o lime de confiança estabelecido entre as partes, autorizando a justa causa (…)”
Conclusão
As decisões acima expostas são coerentes e bem fundamentadas. De fato, não se pode admitir condutas de deslealdade entre empregado e empregador.
Sabe-se que o isolamento da COVID-19 é necessário para evitar a propagação do vírus para a sociedade em geral e no ambiente de trabalho, não podendo os empregados aproveitarem deste momento para agir de maneira desleal.
Neste sentido, seguem abaixo algumas considerações para que nossos clientes e amigos estejam mais amparados nesta fase:
- Os atestados de COVID-19 devem ser avaliados pelo setor de RH, sendo que eventual dúvida sobre a validade e autenticidade do documento médico deve ser compartilhada com o jurídico;
- Em casos de suspeita de contaminação da COVID-19, devemos encaminhar o empregado para realização de teste o quanto antes;
- Sendo negativo o resultado do exame e estando o empregado por mais de 72 horas sem sintomas, poderemos convocá-lo para retornar ao trabalho antes do término do atestado médico;
- Recomenda-se, ainda, que as redes sociais dos empregados (informações públicas) sejam verificadas pelos departamentos próprios, de modo que as empreses tomem conhecimento por meio de fotos, postagens e afins, de situações incompatíveis com o período de isolamento;
- Verificada situação de quebra de isolamento, entendemos importante acionar o jurídico para que as orientações sejam prestadas de forma a produzirmos documentos robustos que fundamentem eventual dispensa por justa causa ou outra penalidade trabalhista pertinente.