Dentre diversas regras de proteção ambiental, o ordenamento jurídico brasileiro contempla o instituto da “Área de Preservação Permanente” (APP), que se trata de uma “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”, conforme define o art. 3º, inciso II do Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012).
As APPs contempladas no atual Código Florestal podem ser havidas em áreas rurais e em áreas urbanas, e estão contempladas, em regra, no artigo 4º da referida lei.
Em que pese o próprio Código Florestal apresentar pontuais permissões à ocupação das APPs, essencialmente voltadas para continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008, a dinâmica inerente ao instituto foi sempre a de limitar a ocupação humana nesses locais. Assim, há uma série de proteções legislativas para cada um desses tipos de APP, sobretudo salvaguardas voltadas para à manutenção, ou eventual recuperação, de faixa recoberta por vegetação nativa a fim da proteger tais áreas de interesse ambiental da atividade humana.
APP: abrangência das faixas de preservação
Nos últimos anos foram travados intensos debates jurídicos sobre a abrangência dessas faixas de preservação ambiental, tanto em áreas urbanas como em zonas rurais. Uma das mais acaloradas discussões desta natureza refere-se às APPs em áreas urbanas, especialmente nos casos de imóveis de lazer – conhecidos popularmente como “ranchos” – construídos às margens de rios e que foram abarcados, ao longo dos anos, pelas zonas urbanas.
Em dadas situações, conforme a interpretação legal dos órgãos de proteção ambiental e de acordo com boa parcela das decisões do Poder Judiciário, as metragens das APPs previstas no Código Florestal inviabilizam a construção ou manutenção de moradias, comércios e indústrias, mesmo quando houve comprovação de que as construções consolidadas já se encontravam erigidas no local antes das alterações de metragem verificadas na década de 80.
APP: Lei Federal nº 14.285/2021 e flexibilização
Buscando atenuar os conflitos havidos entre os proprietários de imóveis localizados às margens de cursos d’água e os órgãos de proteção ambiental, no dia 29 de dezembro de 2021 foi sancionada a Lei Federal nº 14.285, que alterou dispositivos pertinentes às APPs presentes no Código Florestal, dentre outras providências.
Se antes os critérios para definição da faixa de proteção em APPs eram definidos pelo Código Florestal, a Lei Federal nº 14.285/2021, flexibilizou essa questão, permitindo com que a legislação municipal ou distrital defina a dimensão das faixas marginais presentes no inciso I do caput do art. 4º do Código Florestal para as áreas urbanas consolidadas em APP.
Assim, em que pese o Código Florestal determinar que as faixas marginais de um curso d’água devam ser de 30 a 500 metros mínimos de extensão, a legislação municipal agora poderá definir largura diversa, desde que:
I. As novas regras estipulem a não ocupação de áreas com risco de desastres;
II. Observem-se as diretrizes do plano de recursos hídrico, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver;
III. Haja previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas APP’s urbanas observem os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados no Código Florestal;
IV. Seja ouvido o conselho de meio ambiente responsável, e;
V. Faça-se diagnóstico socioambiental próprio.
Ou seja, aprimorou-se um processo de municipalização da regulação ambiental.
Com isso, aqueles proprietários e posseiros que estavam em objetiva situação de irregularidade ambiental poderão buscar proteção na respectiva legislação municipal, se houver lei municipal que atenda aos requisitos anteriormente apontados.
Ressaltamos que o Direito Ambiental não se rege, exclusivamente, pela incessante defesa do meio ambiente, mas deve pautar-se pelo equilíbrio entre a defesa ambiental e as atividades humanas, tendo como foco o princípio do desenvolvimento sustentável, previsto em diversos pontos da Constituição Federal, princípio este centrado na ideia de que a sustentabilidade compreende os eixos ambiental, econômico e social. Na nossa visão, a Lei Federal nº 14.285/2021 apenas corroborou com tal entendimento, estipulando critérios objetivos de proteção ambiental, aliados à contextualização local no trato do meio ambiente.
Departamento Consultivo Trabalhista