As relações cotidianas tem sofrido diariamente com a pandemia gerada pelo novo coronavírus e, no âmbito do direito do trabalho, isto não tem sido diferente. A cada dia uma nova discussão vem à tona e o assunto da vez é a (im)possibilidade de rescisão por justa causa do contrato de trabalho do empregado que recusar se vacinar contra a COVID-19.
Para responder ao questionamento, devemos informar que o artigo 482 da CLT, que prevê o rol de motivos para demissão por justo motivo, não traz previsão específica sobre a recusa em submeter a procedimentos de vacinação, até porque a pandemia provocada pelo novo coronavírus não tem precedentes.
Mas, esta análise demanda uma série de esclarecimentos jurídicos pertinentes:
- Apesar da ausência de norma expressa, há de se ter em vista que a situação está atrelada às normas de saúde pública, sendo certo que o interesse individual não pode prevalecer sobre o direito coletivo.
- É nesse cenário que a rescisão por justo motivo começa a ser apoiada por alguns doutrinadores jurídicos.
- Todavia, obrigar alguém a se submeter a vacinação para fins de manutenção do emprego não é matéria pacífica, sendo que nossa Constituição Federal prevê no artigo 5º, II, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.
Dessa maneira, a questão não é tão simples como parece, pois, estão envolvidos diversos princípios e direitos fundamentais que se colidem, como a liberdade de crença, tratamento, dignidade da pessoa humana, legalidade da demissão por justa causa, saúde pública, proteção e segurança no trabalho.
Com efeito, a primeira conclusão jurídica que pode ser extraída diz respeito a importância de fixação da obrigatoriedade de vacinação por meio de lei, seja ela federal, estadual e/ou municipal.
O Supremo Tribunal Federal recentemente no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6.586 e 6.587) considerou constitucional a possibilidade dos Entes Federativos (União, Estados e Municípios) criarem medidas legais determinando a obrigatoriedade de vacinação dos cidadãos. Foi informada, inclusive, a possibilidade da criação de lei com medidas de restrição de acesso em lugares por pessoa não vacinada.
Ocorre que até o presente momento não há qualquer lei que tenha fixado a obrigatoriedade de vacinação, até porque não existe comercialização da mesma.
O que temos é a expectativa de que em momento próximo haverá comercialização da vacina e criação de lei que determine a vacinação obrigatória, porém não forçada.
Feitos os esclarecimentos, entendemos que as Empresas que quiserem adotar a obrigatoriedade de vacinação deverão incluir tal obrigatoriedade no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), com fundamento médico específico para exigência.
Isso porque o PCMSO é fonte do Direito, sendo que sua inobservância pode gerar a progressão das penalidades e culminar a demissão por justa causa por ato de indisciplina (alínea “h”, art. 482, CLT), salvo justificativa legal do empregado para não se submeter a procedimento de vacinação (declaração médica específica).
Importante 1: Caso a Empresa exija, por meio da inclusão no PCMSO, que seus empregados tomem a vacina, entendemos que deverá arcar com os custos do procedimento, tão logo seja comercializado, caso contrário haverá obrigação impossível de cumprimento pelo trabalhador.
Importante 2: A inclusão da necessidade de vacinação no PCMSO da empresa, gera presunção de que há risco biológico no desempenho das atividades. Assim, a empresa estará assumindo em seus programas de segurança e saúde do trabalho que no estabelecimento há importante risco de contágio.
Com efeito, deve-se ter em vista a manifestação do Ministério Público do Trabalho, que entendeu que a vacinação pode ser obrigatória se incluída no PCMSO, sendo que a recusa injustificada do empregado poderia, em momento futuro, ser alvo de penalização:
Em que pese os diversos entendimentos que temos observado na mídia é necessário cautela, isso porque as análises estão explorando tão somente a possibilidade obrigar o empregado a se vacinar, mas não há qualquer estudo aprofundado com relação a posterior necessidade de custeio da vacina pelo empregador e confissão de risco de contaminação dentro da Empresa.
Nesse cenário, montamos um resumo com o posicionamento do Spadoni, Carvalho & Costa sobre a questão:
o No cenário ATUAL, em que não temos vacina para todos os indivíduos e que não existe lei prevendo obrigatoriedade de vacinação, entendemos que a demissão por justa causa não será passível de sustentação, até porque não podemos criar uma obrigação impossível de cumprimento pelo empregado.
o Em momento FUTURO em que houver vacina para todos e sua comercialização, entendemos que as empresas podem adotar políticas restritivas de acesso aos empregados dependendo das atividades desempenhadas.
o Assim, entendemos que futuramente as Empresas podem investir em campanhas internas de vacinação, sendo que os empregados que optarem em não se vacinar poderão ter algumas restrições de acordo com a particularidade de cada Empresa (vedação de acesso ao público, necessidade de uso de EPIs constantemente, restrição de comparecimento presencial na Empresa e afins).
o A obrigação expressa de vacinação somente será devida se estiver no PCMSO, sendo que a justa causa, nesse cenário, poderá ser aplicada quando houver recusa injustificada do empregado + progressão da penalidade.
o Entendemos que ao incluir no PCMSO a obrigatoriedade de vacinação a Empresa assumirá que existem riscos biológicos de contaminação, aumentando as chances de enquadramento da doença como ocupacional, o que é desfavorável.
o As empresas que obrigarem a vacinação terão que arcar com sua disponibilização/custeio ao empregado (não há divulgação dos valores no momento).
o Entendemos que as empresas devem incentivar a vacinação contra a COVID-19, por meio de circulares, cartazes, campanhas e afins.
o Acreditamos que em breve teremos uma legislação para tratar sobre a obrigatoriedade da vacinação, o que não foi feito ante a ausência de vacina para todos.
o Registra-se a estratégia a ser adotada para fomentar a vacinação, possibilidade de restrição de acesso ao local de trabalho e inclusão no PCMSO devem ser analisadas individualmente, considerando as particularidades de cada atividade econômica desenvolvida, número de empregados, plano de contingência adotado.
o Quando a vacina for disponibilizada para população em geral ou comercializada, é importante que as Empresas/Clientes envolvam o jurídico para alinhamento das estratégias de atuação.