COVID-19: pode ser considerada doença ocupacional?

O Supremo Tribunal Federal considerou que a COVID-19 pode ser considerada doença ocupacional no julgamento de medida liminar em sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), ajuizadas contra a Medida Provisória nº 927/20.A MP foi a primeira a encarar a pandemia do Coronavírus, prevendo flexibilizações das regras trabalhistas sobre a concessão de férias individuais e coletivas, implementação do teletrabalho, compensação de feriados e instituição de banco de horas.

Assim, o STF decidiu no julgamento liminar, por maioria dos votos, suspender dois artigos da Medida Provisória em destaque, quais sejam: artigo 29 e artigo 31. O primeiro artigo suspenso (art. 29) previa que os casos de contaminação pelo Coronavírus não seriam considerados ocupacionais, salvo se o empregado comprovasse o nexo causal, ou seja, caberia ao trabalhador fazer a prova da relação da contaminação com o desempenho de suas atividades laborais.

Nesse contexto, a decisão do STF é no sentido que a contaminação pelo COVID-19 pode sim ser considerada doença ocupacional, sem que seja ônus do empregado comprovar o nexo entre trabalho e doença. Dessa forma, a empresa deverá comprovar que a contaminação não ocorreu no trabalho ou devido ao desempenho das atividades laborais.

Os Ministros argumentaram que exigir essa prova (nexo causal) do empregado, equivale à produção de prova impossível, que no mundo jurídico é denominado “prova diabólica”, haja vista não ser plausível de confirmação o momento e local da contaminação.

Acreditamos que essa decisão poderá ser modificada no julgamento definitivo do STF, pois entendemos que apenas as profissões que estão na linha de frente no combate à pandemia, como os profissionais da área da saúde, e os demais trabalhadores que prestam serviços essenciais a população, como os motoboys fossem assegurados pelo enquadramento da doença como ocupacional. Todavia, a decisão liminar do Supremo irá afetar todas as empresas que permanecem em funcionamento, pois o vírus é altamente contagioso e necessitamos estabelecer parâmetros que possibilitem razoável defesa judicial.

A situação é agravada pelo fato de que afastamentos por doenças ocupacionais, quando ultrapassarem o período de 15 dias, geram a estabilidade no emprego por 12 meses (prazo pode ser maior em Convenção Coletiva de Trabalho) após a alta previdenciária.

Diante o exposto, a preocupação do empresariado está sendo justamente o alto número de empregados infectados que passarão a ter o direito à estabilidade provisória e até mesmo o risco que poderá ocorrer em virtude do falecimento deste trabalhador. Somado a isso, existem os casos de indivíduos que podem se aproveitar da situação, facilitando o contágio com o vírus para ter garantia no emprego.

O impacto econômico poderá ser superior caso o trabalhador venha a falecer em virtude da doença, o que ocasionaria discussões a respeito de indenizações por danos morais e materiais. Neste cenário, à luz da decisão do STF, é indicado que as empresas reforcem a gestão de segurança e saúde no ambiente de trabalho e que adotem algumas medidas que se demonstraram bem efetivas na prevenção do contágio:

  • Forneça lavatórios com água e sabão.
  • Forneça sanitizantes (álcool 70% ou outros adequados à atividade).
  • Mantenha o ambiente de trabalho sempre limpo e higienizado.
  • Mantenha ambientes ventilados.
  • Higienize adequada e regularmente os instrumentos/ferramentas de trabalho.
  • Disponibilize lenços descartáveis em diversos locais para higiene nasal.
  • Disponibilize copos descartáveis para o consumo e descarte.
  • Proíba de forma temporária o uso de bebedouro tipo esguicho/jato.
  • Implemente, se possível, turnos alternados para almoço e descanso, higienizando o local entre a saída de um grupo e entrada de outro.
  • Suspenda cursos presenciais, reuniões, capacitações, se existirem (evitar ao máximo aglomeração de pessoas).
  • Aumente a divulgação aos empregados das formas de prevenção do novo vírus (divulgar circulares com as recomendações rigorosas para prevenir o contágio).
  • Ao identificar um caso de contaminação pelo Coronavírus, verificar a possibilidade de conceder licença remunerada/home office aos demais empregados que tiveram contato com o infectado.
    o  Nesse caso, é importante que a Empresa guarde o SIGILO dos dados médicos dos empregados, não podendo divulgar o nome do empregado infectado, evitando problemas judiciais futuros.
    o  Tal recomendação só irá atender às maiores Empresas, que possuam relevante número de empregados na mesma função, sendo que o afastamento preventivo de uns não impacte de forma expressiva em sua produção.
    o  As pequenas e médias empresas devem observar as demais recomendações, haja vista a inviabilidade de afastar todos os empregados que porventura tenham mantido contato com algum empregado comprovadamente infectado.
    Essa é uma recomendação do Nosso Escritório, não sendo medida obrigatória.
  • Organize o processo de trabalho para aumentar a distância entre as pessoas (recomendado mínimo de 2 metros de distância).
  • Forneça “máscaras caseiras” adequadas ao uso e fiscalize sua utilização durante toda a jornada de trabalho.
    o   Se a Empresa optar pelo fornecimento de “máscaras caseiras” deverá aplicar o Termo de Utilização e Higienização das “Mascaras Caseiras”. Ademais, deverá divulgar a todos os empregados e coletar as assinaturas que comprovem a plena ciência.
  • Verifique a temperatura dos empregados antes da entrada na Empresa o que é realizado por termômetro digital sem contato. Dessa forma, quando o trabalhador apresenta febre acima de 37,5°C, há orientação do empregado ir para consulta médica, sendo a ausência justificada nesse dia.
    o   Se a Empresa optar pela verificação da temperatura dos empregados deverá aplicar o Termo de Ciência e Autorização dos empregados. Essa prática requer anuência expressa do trabalhador.
  • Elabore nova Ordem de Serviço específica para atuação durante a PANDEMIA do Coronavírus, que contenha instruções específicas de utilização de EPIs adequados e demais precauções para evitar o contágio pelo novo vírus.

A Empresa deverá fiscalizar o cumprimento das recomendações pelos empregados e documentar a ciência de todos os trabalhadores das orientações prestadas nesse momento de pandemia, pois esses documentos ajudarão em defesa judicial. A não observação deverá ser punida com advertência, suspensão e até justa-causa. Caso a empresa possua um engenheiro ou técnico de segurança do trabalho, recomenda-se que este profissional realize um laudo de constatação, concluindo que todas as recomendações sanitárias foram observadas.

Outra sugestão jurídica é a aplicação de questionário padrão no retorno do empregado afastado pelo Coronavírus, o que deve ser realizado pelo médico da Empresa (coordenador do PCMSO). A verificação de publicações do empregado em redes sociais poderá nos auxiliar em eventual defesa judicial, pois poderá demonstrar hábitos contrários às recomendações de isolamento social.

O documento acima exposto formalizará alguns hábitos do empregado, auxiliando a comprovação do contágio fora do ambiente de trabalho, como por exemplo, idas aos mercados, hospitais, prática de exercícios ao ar livre, convívio social e contato com pessoa infectada ou com alto risco de exposição.

Na prática, sugerimos que os empregadores atuem de forma preventiva na documentação de tudo que auxilie na comprovação que o empregado “x” contraiu COVID-19 pelos hábitos fora do trabalho. A única ressalva a ser feita é que esse documento deve ser realizado com essa única finalidade (afastar o nexo da doença com o trabalho) e jamais de forma a discriminar o trabalhador ou invadir sua privacidade, esse é o principal motivo da aplicação pelo médico da empresa.

 

Além disso, o outro artigo da Medida Provisória que foi suspenso pelo STF (art. 31 MP nº 927/2020) limitava a atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho, deixando claro que no período de pandemia realizariam apenas atividades de orientação. Os Ministros entenderam que não cabe à Medida Provisória reduzir a fiscalização e limitar a atividade dos fiscais, que atuam na proteção do trabalho e dos empregados.

Por fim, necessário esclarecer que todos os demais artigos, até o presente momento, foram mantidos na sua integralidade, sendo que a decisão no julgamento liminar do STF ocasionou tão somente a suspensão dos dois artigos aqui tratados, que dispõem sobre a doença ocupacional provocada pelo COVID-19 e sobre a atuação dos fiscais do trabalho.

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