Justiça determina reintegração de empregado com dependência química – dispensa é considerada discriminatória

O Tribunal Regional da 2ª Região (TRT 2 – São Paulo) decidiu pela anulação de dispensa de empregado com dependência química, determinando sua reintegração por reconhecimento de dispensa discriminatória.

Importante informar que a dependência química é uma doença, sendo que eventual demissão sem justa causa pode gerar questionamentos acerca da legalidade da dispensa e eventual existência de discriminação.

Pela relevância do tema, seguem abaixo comentários sobre o processo em comento.

Entenda o caso:

Analisando os autos é possível notar que o empregado ingressou na justiça do trabalho com pedido de nulidade de sua dispensa sem justa causa e consequente pedido de reintegração no emprego e indenização por danos morais. Em linhas gerais, afirmou que sua demissão foi um ato de discriminação da Empresa por ele ser dependente químico crônico e ter se afastado para tratamento médico.

Em sua defesa, a Empresa alegou que apenas exerceu seu direito protestativo de demissão, sem qualquer relação com eventual dependência química. Alegou, ainda, que não tinha qualquer conhecimento da situação de fragilidade clínica do trabalhador e que outra trabalhadora havia sido demitida no mesmo mês, reforçando que não houve qualquer discriminação.

Apesar das informações sobre a ausência de conhecimento da dependência química do empregado, as provas dos autos e os depoimentos confirmaram que o trabalhador apresentou documentos médicos sobre a doença. Além disso, foi confirmado que o trabalhador frequentava um “grupo de ajuda” interno, oferecido pela própria Empesa.

Assim, restou confirmado o conhecimento da Empresa sobre a situação de dependência química do trabalhador antes de sua demissão.

O processo foi avaliado pelo juízo de primeiro grau, seguindo para o TRT 2.

Decisão:

Apesar da decisão de 1º grau não ter reconhecido a nulidade da dispensa por discriminação, o Tribunal Regional da 2ª Região (TRT2) reverteu a decisão e condenou a empresa na reintegração do trabalhador e ao pagamento de indenização por danos morais.

A dispensa foi considerada nula, tendo sido reforçado pelo Relator que “a dependência química é doença, segundo a Organização Mundial de Saúde, classificada como CID F19 na Classificação Internacional de Doenças, sendo do senso comum não ter cura (…). Assim, constatada a dependência química e, a despeito de seus reflexos negativos na prestação do trabalho, não cabe a resolução do vínculo, nem mesmo sob a forma de dispensa imotivada”.

Veja trecho da ementa da decisão do TRT2:

DEPENDENTE QUÍMICO. DOENÇA GRAVE. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA CARACTERIZADA. NULIDADE. REINTEGRAÇÃO DEVIDA. Caracteriza prática discriminatória ato da empresa que dispensa empregado acometido de doença grave sem a ocorrência de justa causa e já ciente, à época, do estado de saúde em que se encontrava o obreiro. In casu, verifica-se do conjunto probatório que, ao contrário do aduzido na peça defensiva, a reclamada tinha ciência da enfermidade do recorrente, dependente químico. Pelo exame dos elementos dos autos, não se mostra razoável que a reclamada, diante dos diversos momentos de ausência e do comportamento violento do autor, não se interessasse em saber as razões das ocorrências. Ademais, o fato de outra empregada ter sido demitida no mesmo mês em que ocorreu a dispensa obreira não tem o condão, por si só, de afastar a conclusão de que o encerramento da relação empregatícia não decorreu do mero exercício do direito potestativo da ré, mormente ante a declaração do preposto de que “a reclamada não passou por cortes em abril”. Ressalte-se que a dependência química é doença, segundo a Organização Mundial de Saúde, classificada como CID F19 na Classificação Internacional de Doenças, sendo do senso comum não ter cura, passível apenas de controle, obtido por meio de tratamento longo e difícil, no qual o envolvimento da família, a manutenção do trabalho e a persistência do doente são essenciais para o sucesso. Assim, constatada a dependência química e, a despeito de seus reflexos negativos na prestação do trabalho, não cabe a resolução do vínculo, nem mesmo sob a forma de dispensa imotivada. Diante desse cenário, considerando que a demandada tinha conhecimento da grave moléstia que acomete o obreiro, é razoável concluir que houve ato discriminatório e arbitrário na dispensa do trabalhador doente, conclusão amparada na prova e escorada no entendimento capturado pela Súmula 443 do C. TST. Recurso do autor provido no particular para acolher o pedido de reintegração ao emprego. (TRT-2 10009894320185020465 SP, Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS, 4ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 24/09/2019)

Portanto, ficou decidido pela nulidade da demissão, consequente reintegração do trabalhador no emprego e necessidade de pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00.  

Conclusão:

Diante do exposto, é possível concluir que:

  • As Empresas devem ficar atentas a eventuais dispensas de trabalhadores que possuam dependência química, haja vista a possibilidade de futura alegação de dispensa discriminatória. 
  • Existindo laudos médicos nesse sentido, é importante que haja o amparo do trabalhador e não a demissão por motivo de doença.
  • Antes de ser realizada demissão de empregados acometidos por doenças, é importante que haja encaminhamento ao jurídico e medicina do trabalho para análise concreta e parecer que gere maior segurança antes de qualquer decisão.
Facebook
Twitter
LinkedIn

Receba nosso conteúdo

Fique por dentro dos assuntos jurídicos com o conteúdo do nosso time.