Recentemente, o TRT da 23ª Região condenou uma empresa a pagar horas extras para um empregado que foi promovido a um cargo de confiança. O que ocorreu?
No caso posto em análise, a Empresa ordenou que o empregado deixasse de registrar o ponto, pois passaria ele a exercer/ocupar cargo de confiança. No entanto, apesar da mudança de nomenclatura da função, nada mudou na prática, uma vez que o Empregado continuou a exercer as mesmas funções (encarregado de almoxarifado), com as mesmas responsabilidades e o mesmo salário.
A alegação da reclamada em sede de defesa foi no sentido de que o empregado exercia cargo de confiança, mas a tese não foi aceita pelo juízo em virtude de que restou demonstrado que o Empregado não possuía poderes de mando e gestão, continuando inclusive a receber o mesmo salário de antes.
É importante destacar que a exceção prevista no artigo 62, inciso II da CLT, que exclui os gerentes/diretores/chefes de departamento do capítulo “Jornada de Trabalho”, impõe condições para configuração do cargo de confiança, quais sejam:
- Gratificação – acréscimo salarial não inferior a 40% do respectivo salário efetivo;
- Efetivo poder de gestão – por exemplo: contratar, demitir, dar ordens e punir empregados;
- Autonomia para tomada de decisão (compras, descontos e rescisões).
Importante: no Direito do Trabalho vigora o princípio da primazia da realidade, ou seja, a realidade se sobrepõe às disposições contratuais escritas. Assim, quando o documento não corresponde à verdade dos fatos, provavelmente será descartado como meio de prova. Este foi o caso dessa “promoção” que aconteceu apenas no papel.
O conjunto desses fatores resulta na dispensa do controle de jornada e, consequentemente, dispensa do pagamento de horas extras, uma vez que para o empregado em cargo de confiança não é aplicada a limitação de jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais.
A ausência de um dos elementos destacados põe em risco a segurança jurídica do instituto, que por sua vez deixa a empresa em uma situação de desvantagem: sem os controles de ponto para comprovar a efetiva jornada de trabalho do reclamante e sujeita à condenação de pagamento das horas extras, conforme jornada de trabalho apurada no decorrer do processo.
Segue abaixo a notícia na íntegra:
TRT23 – Supervisor que não teve aumento do poder de mando e nem de salário com a promoção receberá horas extras
Decisão destacou que a mera mudança de nomenclatura da função não é suficiente para comprovar cargo de confiança Para caracterizar que o empregado exerce cargo de gestão, não estando, portanto, submetido às normas da jornada de trabalho, é preciso que este tenha poder de tomar decisões importantes para os destinos da empresa, como verdadeiro representante do empregador, e, ainda, que o salário tenha um acréscimo de 40% pela atuação no cargo de confiança.
Esse entendimento foi aplicado pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT) ao manter sentença proferida na Vara do Trabalho de Alto Araguaia, que condenou a multinacional Louis Dreyfus Group – LDC a pagar horas extras a um de seus ex-supervisores.
Ao acionar a Justiça do Trabalho, o ex-empregado contou que, por ordem da empresa, deixou de fazer o registro de ponto a partir de fevereiro de 2014. A orientação era que ele não estava mais submetido ao controle de jornada em razão de ter passado a ocupar cargo de confiança.
Ocupante, até aquela data, da função de encarregado do almoxarifado, ele passou então a responder pela supervisão da unidade, cargo criado naquela ocasião. Todavia, relatou que não teve, a partir de então, qualquer responsabilidade diversa da que tinha anteriormente e nem teve aumento salarial. Por isso, requereu o pagamento de horas extras trabalhadas de 2014 até maio de 2017, quando o contrato de trabalho foi encerrado.
A multinacional, por sua vez, sustentou que a situação se enquadrava na exceção do artigo 62, inciso II da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por ser o ex-empregado detentor de cargo de confiança e, portanto, não possuía direito a horas extras.
Os argumentos da empresa não foram aceitos, no entanto, pelo juiz que proferiu a sentença. A razão foi o descumprimento do que determina esse artigo da norma quanto ao acréscimo de 40% na remuneração dos ocupantes de cargos de gestão. Assim, o trabalhador fazia jus ao controle de sua jornada.
Além disso, a sentença destacou outro ponto que contrariava a tese da empresa: o seu próprio representante confirmou, em audiência, que o ex-supervisor não exercia cargo de gestão com poderes de mando, pois não podia admitir, punir, nem demitir empregados, por exemplo; nem tinha autonomia para a tomada de decisões, que eram sempre submetidas ao seu superior.
Ao julgar o recurso apresentado pela empresa, a 2ª Turma do Tribunal concluiu nesse mesmo sentido: de que o caso não se enquadra na exceção prevista na CLT, seja porque o ex-empregado não desempenhou verdadeiramente encargos de gestão, seja porque não passou a receber a gratificação pelo desempenho de cargo de confiança no valor de, pelo menos, 40% do salário anteriormente percebido.
Veja-se que o preposto confessou que a mudança ocorrida em 2014 foi apenas em relação à nomenclatura do cargo, sendo que o autor continuou a exercer as mesmas funções que anteriormente exercia, bem como afirmou que as ‘decisões acerca de contratação, dispensa e exercício do poder disciplinar’ eram restritas ao gerente, demonstrando que o obreiro não possuía qualquer poder de mando, contratação ou aplicação de sanções, como demissão aos empregados do reclamado, ressaltou o relator do recurso, desembargador Roberto Benatar.
Desse modo, a 2ª Turma, por unanimidade, manteve a sentença que condenou a empresa a pagar horas extraordinárias e seus reflexos nas demais verbas ao trabalhador, cuja jornada foi reconhecida como de 10 horas diárias, com uma hora de intervalo para almoço.
PJe 0000452-48.2017.5.23.0131
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região