Revisão de Contratos de Locação: impactos do novo coronavírus

A situação da pandemia que está instalada trouxe a revisão de muitos contratos ante a necessidade de repactuação de condições, especialmente as condições comerciais. Neste contexto estão inseridos os Contratos de Locação de Imóvel. Com inúmeros estabelecimentos comerciais de portas fechadas, houve um aumento significativo de solicitações relacionadas a redução ou mesmo suspensão do pagamento dos alugueis pela queda no faturamento.

Até o presente momento não há determinação emanada de lei que obrigue a redução do aluguel ou mesmo a repactuação de condições. Há o Projeto de Lei nº 1179/2020, em tramitação no Senado Federal, o qual possui disciplina específica acerca da matéria. Contudo, enquanto o mesmo não for aprovado, as renegociações ficam no âmbito extrajudicial, através da negociação entre as Partes, imbuídas da boa-fé objetiva, com a formalização dos respectivos aditivos contratuais, os quais se recomenda que sejam elaborados por especialistas no assunto, ou através do manejo de ações judiciais.

Confira informações norteadoras e relevantes sobre o tema:

A revisão dos Contratos de Locação é plenamente possível entre as Partes pela regra geral tendo em vista a adoção, pelo direito brasileiro, do princípio da Conservação Contratual, visto que este promove a manutenção do contrato em substituição à sua ruptura para que as Partes possam rever as condições contratuais, de modo que  estas  correspondam às novas expectativas dos contratantes.

No caso da locação regida pela Lei nº 8.245/91, o Contrato de Locação pode ser revisto após três anos do início da vigência por meio de Ação Revisional de Aluguel, caso não haja comum acordo entre as Partes. Dessa forma, havendo interesse dos contratantes, o valor da locação pode ser revisto a qualquer momento, ou ainda, as Partes podem inserir no Contrato uma cláusula revisional, conforme previsto nos artigos 18 e 19 da Lei do Inquilinato:

Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.

Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.

Além disso, ainda que não seja possível a composição amigável (sendo necessário acionar o Judiciário), a redução do aluguel motivada pelo fato superveniente da pandemia está sendo aceita pelos Tribunais.

Para tanto, mencionamos a decisão proferida pelo juízo da 22ª Vara Cível do Foro Central Cível da Comarca de São Paulo nos autos nº 1026645-41.2020.8.26.0100, a qual autorizou liminarmente a redução no valor de aluguel pago por restaurante, permitindo que o estabelecimento pague o correspondente a 30% do valor original do aluguel enquanto durar a pandemia. Vejam a fundamentação do magistrado:

“Este é o caso dos autos, na medida em que a pandemia instaurada pela disseminação rápida e global de vírus até então não circulante entre os seres humanos acabou por levar as autoridades públicas a concretizar medidas altamente restritivas de desenvolvimento de atividades econômicas, a fim de garantir a diminuição drástica de circulação das pessoas e dos contatos sociais. Tal situação ocasionou a queda abrupta nos rendimentos da autora, tornando a prestação dos alugueres nos valores originalmente contratados excessivamente prejudicial a sua saúde financeira e econômica, com risco de levá-la à quebra.

Desse modo, cabível a revisão episódica dos alugueres, com a finalidade de assegurar a manutenção da base objetiva, para ambas as partes, gerando o menor prejuízo possível a elas, dentro das condições de mercado existentes.

Observo que a temática dos aluguéis está sendo levada em alta quantidade ao Poder Judiciário, gerando até decisões de suspensão de pagamento. Ocorre que, no caso em tela, os requeridos são pessoas naturais, presumindo-se, portanto, que a suspensão do pagamento lhes transferirá todo o ônus financeiro do qual a autora busca se livrar.”

Entendimento similar é o do juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Ribeirão Preto-SP nos autos nº 1011766-72.2020.8.26.0506, a qual reduziu liminarmente em 50% o aluguel, em valor correspondente a 2,5% sobre a média de faturamento da loja objeto do contrato. Oportuno verificar que o magistrado utilizou a fundamentação na incidência da Teoria da Imprevisão. Confira-se:

“(…)Tal estado de coisas aponta a possibilidade de incidência do Art. 478 do Código Civil, cujo acontecimento imprevisível (pandemia decorrente do coronavírus) – doravante certamente a ser utilizado de forma intensa no meio acadêmico como exemplo clássico de hipótese permissiva à incidência da teoria da imprevisão – justifica a intervenção do Estado-juiz nas relações privadas, como, aliás, já foi sinalizado pelo Parlamento brasileiro com o Projeto de Lei nº 1179, de 2020, de autoria do Senador ANTÔNIO ANASTASIA, que dispõe “sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19)”

Cumpre esclarecer que a Teoria da Imprevisão é tida como regra geral para revisão de Contratos, prevista nos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil:

 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

 Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

 Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Oportuno trazer, também, a conforme elucida o artigo 317 do Código Civil:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Ante o exposto, tanto pela regra especial (renegociação extrajudicial do aluguel, conforme autorizado pelo art. 18 da  Lei do Inquilinato) quanto pela regra geral (normas gerais de revisão dos contratos inscritas no Código Civil), o Contrato pode ser revisto.

Quando o diálogo com o proprietário não existe, frustrando a expectativa da revisão ou acordo extrajudicial sobre o pagamento dos aluguéis, a alternativa é partir para a discussão no Judiciário.

Lembramos que em sendo judicializada a questão, é necessário esclarecer que todos os elementos da ação e das partes serão avaliados, inclusive a capacidade econômica, motivos que justificam a redução,  se o aluguel se trata da única fonte de renda do locador etc.

 As tratativas via acordo extrajudicial, com a realização de aditivos e acompanhada por profissionais especializados na área acabam sendo sempre mais vantajosas para todas as Partes.

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