Rescisão do contrato de trabalho: Força Maior e Fato Príncipe

Com os impactos jurídicos e financeiros das empresas em virtude do atual cenário da pandemia do CORONAVÍRUS (COVID19), elaboramos estes esclarecimentos com o objetivo de difundir as possíveis alternativas jurídicas que as empresas poderão praticar para as rescisões contratuais. Trataremos a respeito das rescisões por “FORÇA MAIOR” e “FATO DO PRÍNCIPE”.

Contudo, estas orientações não podem e tampouco devem ser seguidas sem suporte jurídico especializado, pois a análise de cada  alternativa demandará estudo da situação fática de cada empresa, ficando o nosso Escritório à disposição de todos.

FORÇA MAIOR

Não há dúvidas que se instaurou um estado de calamidade pública, sendo que a própria Medida Provisória nº 927/20 reconheceu a existência de uma figura jurídica denominada FORÇA MAIOR, conforme se pode extrair do §1º do artigo 1º da citada medida provisória, que assim dispõe:

Art. 1º  Esta Medida Provisória dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020, nos termos do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Parágrafo único.  O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020 e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Qual é a definição de “FORÇA MAIOR”?

    • Para o Direito do Trabalho, força maior é todo acontecimento inevitável, imprevisível e involuntário em relação ao empregador e empregado, para o qual os mesmos não concorreram direta ou indiretamente.

Quais são os requisitos para que a “FORÇA MAIOR” se operacionalize?

  • Evento ou acontecimento inevitável.
  • Que seja alheio à vontade do empregador, ou seja, que este não tenha controle sobre o evento ou acontecimento.
  • Que o empregador não tenha concorrido direta ou indiretamente para a situação.

A PANDEMIA de CORONAVIRUS pode ser considerada como “FORÇA MAIOR”, inclusive para efeitos de rescisão de contrato de trabalho?

  • Entendemos que pandemia do coronavírus é um exemplo de “FORÇA MAIOR” que poderá ser explorado pelas empresas.

Quais são as verbas rescisórias devidas em caso de “FORÇA MAIOR”?

  • Trata-se de um assunto muito polêmico, existindo divergência entre os maiores nomes da doutrina trabalhista do nosso País:

¹ Existe divergência entre os maiores doutrinadores jurídicos trabalhistas do nosso País. Da mesma forma, não existe jurisprudência firmada a respeito do assunto, havendo decisões diferentes entre os tribunais. Registramos que o nosso posicionamento é pelo pagamento da integralidade do aviso-prévio, evitando-se a aplicação da multa prevista no art. 477, §8º da CLT (equivalente ao salário do empregado). Todavia, caso a empresa opte pelo risco, existem argumentos jurídicos para defender a tese de não pagamento, bem como pelo pagamento de apenas metade do aviso-prévio indenizado.

² O entendimento firmado por Nosso Escritório é o de que essas verbas devem ser pagas integralmente, em virtude de divergência interpretativa do art. 502 da CLT. Isto porque a redação do artigo leva a crer que seria devido o pagamento de todas as verbas rescisórias pela metade, mas os autores de livros jurídicos entendem que a redação do artigo fere Princípios Constitucionais de Direito Adquirido.

³ Será devido o pagamento de ¼ , ou seja, 25% do valor que seria devido a título de rescisão antecipada.

4 As indenizações substitutivas da garantia de emprego de gestantes e acidentados devem ser quitadas em sua integralidade. Já o pagamento das indenizações substitutivas de garantia de emprego de membro da CIPA e dirigentes sindicais dependerá da extinção ou não da empresa. Havendo a extinção da empresa, nada será devido a este título (Súmulas 339, II e 369, IV do TST).

IMPORTANTE: O art. 504 da CLT prevê que se comprovada a falsa alegação de motivo de “FORÇA MAIOR” para ensejar as rescisões contratuais, será garantida a reintegração aos empregados estáveis juntamente com o pagamento dos salários do respectivo período da demissão até a reintegração. Aos não-estáveis, será garantido o complemento das verbas rescisórias já percebidas.

Apenas poderá ser aplicado este tipo de rescisão (“FORÇA MAIOR”) caso a empresa venha a ser extinta?

  • Apesar do artigo 502 da CLT utilizar a expressão que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, entendemos que em virtude da calamidade pública nacional esta expressão poderá ser relativizada, possibilitando a sua aplicação caso reste demonstrado o dano substancial, ou seja, um dano que prejudique verdadeiramente as atividades da empresa ao ponto de não ser possível a sua manutenção neste momento, até que se passe a situação da calamidade pública.
  • Entendemos que a determinação de paralisação das atividades pelas autoridades administrativas (estaduais e/ou municipais) auxiliam na tese para aplicação das rescisões por “FORÇA MAIOR”.
  • Entendemos, por final, que a empresa terá maior segurança jurídica na aplicação das rescisões pela modalidade “FORÇA MAIOR” caso demonstre ter esgotado as alternativas para a manutenção de suas atividades e empregos (p.ex. férias coletivas, teletrabalho, banco de horas etc).

Posso demitir apenas alguns empregados alegando “FORÇA MAIOR” ou preciso realizar demissões em massa?

  • Entendemos que nesta modalidade de rescisão a empresa não poderá fazer demissões isoladas, ou seja, deverá praticar demissões em massa (praticamente a demissão de todos os empregados).

IMPORTANTE: Caso a empresa opte por esta espécie de demissão, o jurídico deverá ser consultado para avaliar se o requisito “demissão em massa” está sendo observado ou não.

FATO DO PRÍNCIPE (“FACTUM PRINCIPIS”)

Tem-se visto os estados e municípios emitirem decretos proibindo ou limitando o funcionamento de estabelecimentos tidos como não essenciais. Tal medida tem como objetivo evitar a aglomeração de pessoas e, consequentemente, retardar o risco de contágio do COVID19.

Paralelamente, o Presidente da República comentou que as medidas adotadas por alguns governadores e prefeitos poderiam caracterizar a figura prevista no art. 486 da CLT, qual seja: “FATO DO PRÍNCIPE”, onde os governos estaduais e/ou municipais, por limitarem ou impedirem o funcionamento de algumas empresas, ficariam responsáveis pelo pagamento de todas as verbas trabalhistas de empregados demitidos.

Alertamos, contudo, que a aplicação deste instituto jurídico está longe da simplicidade por ele exposta. Isto porque os atos destes chefes do Poder Executivo têm por finalidade única a busca da saúde pública, bem como atendimento aos interesses sanitários globais, não trazendo benefícios para a satisfação da utilidade pública, ou seja, são atos reflexos causados exclusivamente para conter uma PANDEMIA, sem agregar benefícios para a administração pública que justifique a obrigatoriedade de uma indenização paga por ela junto aos estabelecimentos prejudicados. Ademais, nesta fase que vivemos, todos estão sendo prejudicados.

Acresça-se, por final, que a tese do “FATO DO PRÍNCIPE” provavelmente não será aceita pelo Poder Judiciário, salvo raras exceções. Trata-se de matéria que inclusive depende de reconhecimento judicial, com ritos processuais que oportunizarão à administração pública apresentar defesa.

Na Justiça do Trabalho há raríssimos julgados deferindo ganho de causa com base na tese do “FATO DO PRÍNCIPE” como condição de excludente da responsabilidade do empregador ao pagamento de algumas verbas rescisórias. O que se vê na prática, geralmente, é a atribuição do risco ao empregador, consoante art. 2º., parágrafo 2º., da CLT.

Contudo, visando esclarecer eventuais dúvidas acerca deste instituto jurídico, editamos um conjunto de perguntas e respostas que poderão lhes auxiliar nesta empreitada:

Qual é a definição do “FATO DO PRÍNCIPE” na ótica do Direito do Trabalho?

  • Pela análise literal, ou seja, sem o necessário aprofundamento, define-se como “FATO DO PRÍNCIPE” a paralisação temporária ou definitiva da prestação de serviços, em virtude da prática de ato administrativo por autoridade pública federal, estadual ou municipal ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade. A previsão está no art. 486 da CLT e, como já dito, sua caracterização não é tão simples como aparenta ser.

Quais são os requisitos que possibilitariam a aplicação do instituto jurídico do “FATO DO PRÍNCIPE”?

  • São os requisitos:
    • existência ato administrativo inevitável praticado por autoridade competente;
    • interrupção temporária ou definitiva da prestação dos serviços;
    • não concorrência, direta ou indireta, do empregador para a prática do ato;
    • interesse público primário em detrimento ao interesse de um particular, ou seja, o interesse público não pode ser um ato secundário, meramente reflexo e  acessório.
  • Exemplo: Um exemplo prático e vivido recentemente em Ribeirão Preto e que caracterizaria o “FATO DO PRÍNCIPE” é a desapropriação que ocorreu com o “Bar Ato”. O estabelecimento se encontrava na confluência das Avenidas Presidente Vargas com a Avenida Antônio Diederichsen em Ribeirão Preto/SP, sendo que a prefeitura, através de um decreto, determinou que os proprietários se retirassem do local para viabilização do andamento de obra viária pública. Em virtude deste interesse público primário, qual seja, a obra de mobilidade urbana, a administração pública não possibilitou a continuação da atividade econômica por parte do “Bar Ato”.

(https://www.revide.com.br/noticias/cidades/prefeitura-da-48-horas-para-bar-desocupar-area-na-avenida-presidente-vargas/)

Por qual motivo o Escritório entende que não há preenchimento dos requisitos para aplicação do “FATO DO PRÍNCIPE”?

  • No caso posto em discussão, a PANDEMIA é a causa principal que decorre de um fato de “FORÇA MAIOR”, não havendo qualquer benefício para a administração pública. Pelo contrário, a administração pública apenas está sofrendo prejuízos que não poderão ser agravados com o pagamento de responsabilidades rescisórias trabalhistas de particulares, também atingidos pelo fator em comum que é o COVID19.
  • Assim, os atos das autoridades públicas que no momento determinam o fechamento ou a restrição temporária de atividades das empresas, com exceção das atividades essenciais,  se relacionam a atos de imperatividade absoluta, de saúde, higiene e medicina pública preventiva, como forma de conservação da vida e da saúde das pessoas, em atendimento ao mandamento constitucional da dignidade humana, com base em experiências internacionais até então bem sucedidas.

Quais são as verbas rescisórias devidas na hipótese do “FATO DO PRÍNCIPE”?

  • Caso seja reconhecida em Juízo a figura jurídica em discussão, o pagamento da multa de FGTS devida ao empregado ficará a cargo da administração pública. Da mesma forma ocorrerá com a rescisão antecipada de contrato por prazo determinado, onde a ruptura antecipada ensejará ao empregado o recebimento da multa prevista no art. 479 da CLT (metade do saldo de dias a completar o período do contrato de trabalho);
  • No que diz respeito ao pagamento de aviso-prévio, a responsabilização dependerá de análise do caso concreto.

Quer saber mais informações? Clique aqui e confira a cartilha sobre o assunto.

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